Pegadas de Jesus

Pegadas de Jesus

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

PESSOA BLINDADA


Pessoa blindada. É o que parece. Levanta uma muralha de indiferença ao seu redor, que não há diálogo que derrube.

Pessoa blindada é imprevisível. Quando tudo vai bem, ótima pessoa: sabe ser cordial, receptiva. Quando contrariada, se revela: descompensada, azeda, mal agradecida.

Imatura? Imatura. Meio selvagem. Não sabe utilizar bem o código de comunicação. Se uma palavra lhe é dirigida, contra-ataca, com ofensas. Ofensas que são flechas afiadas, que atingem o “inimigo” bem dentro da alma, e causa um estrago enorme.

Pessoa blindada é seca. Não consegue sentir ou saber o que provoca uma poesia. Não canta. Não dança. Não sorri. Grunhe.

Blindada. Não sabe oferecer uma flor. Nem sequer aprecia a beleza das flores. Nem do luar. Nem se encanta com as estrelas. Não diz eu te amo. Não abraça. É rude. Selvagem. Não faz mimos a quem ama. Ama? É desinteressada. Opaca. Sem brilho.

Pessoa blindada se exclui. Se fecha no comodismo. Gosta de ser servida. Não se compraz com o que é belo. Aliás, nem sabe o que é o belo. Não se deixa amar. Espanta. É uma ilha, quando poderia ser um mar.

Não se ama. Não sabe amar. Não é livre e tolhe a liberdade dos outros. Pessoa blindada. É uma ostra. Não, ostra não. A ostra tem a nobreza de produzir a pérola, mediante o sofrimento. Pessoa blindada não. Não sabe dividir, não sabe contemplar, não soma, não agrega valores. Não fala, não ouve, não vê, não sabe viver... Não se enlaça. Não sabe ser feliz. Que lástima!

(Socorro Melo)


domingo, 27 de dezembro de 2015

POR TRÁS DE CADA LÁGRIMA...




Se vê  pesadas correntes
Rastro de dor, desespero
Anseios de vida urgentes

Se vê fome e sede hostis
Tratamentos desumanos
E preconceitos vis

Se vê feridas abertas
Abandono e exclusão
E injustiças molestas

Se vê crianças mutiladas
Vítimas de guerras insanas
E miséria escancarada

Se vê vergonha contida
Desrespeito e intolerância
Com a dignidade da vida

Se vê gritos de dor
Apelos de esperança
E mendicância de amor.

Socorro Melo




quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O NUMINOSO EM MIM

Participação na VI Interação Fraterna de Natal - Tema: O numinoso em mim, promovido pela amiga Rosélia do Blog http://www.idade-espiritual.com.br/

Um tema rico de conteúdos, de experiências, que podem ser apreciadas nos Blogs participantes. Muito grata, Rosélia, pelo convite. Espero que minha humilde participação tenha atendido a proposta da BC. 




O NUMINOSO EM MIM

A percepção do sagrado despertou em mim muito cedo. Sempre gostei de silêncio, e de quietude. Sempre me chamou a atenção situações simples que talvez para a maioria das pessoas não tivesse valor algum, mas que para mim diziam alguma coisa. Gostava de ficar horas fitando as estrelas, e imaginando o que haveria por trás delas, porque, uma voz interior me dizia que havia Alguém maior para além delas...

Fui crescendo com essa certeza. Era de dentro de mim que ela brotava. Eu não tive influência nenhuma. Pensava muito. Questionava muito. Não encontrava respostas.
Participava da santa Missa com respeito, com reverência, mas sem consciência do quanto era sublime. Por muito tempo foi assim. Mas eu sentia que faltava algo, não poderia ser somente aquilo que eu via, tudo era muito ritual.

E daí começou a minha busca de Deus. Eu não queria crer que Deus se manifestara apenas aos homens do passado, da antiga aliança. Ele não poderia ter abandonado a humanidade, por certo Ele se manifestaria de alguma forma, no nosso tempo. Eu aprendi que vivemos o tempo do Espírito Santo, e que Ele é o doador dos dons, e porque eu não via nada? Nada acontecia, era tudo tão ritual.

A fome e a sede de Deus aumentavam. A vontade de conhecê-lo ainda mais. E daí fui devorando livros. E mais livros. A princípio sem uma meta definida, porém, depois mais selecionados. Nunca tive nenhuma direção espiritual. Mas, mesmo assim fui despertando para a mística. E na busca desse conhecimento fui assimilando respostas para tantas de minhas perguntas.

Li sobre todas, ou quase todas as principais religiões do mundo. Até participei, por curiosidade, acima de tudo, de cultos de outros credos diferentes do meu, e até simpatizei com alguns deles, mas, nunca senti vontade de mudar de religião, eu só queria encontrar as respostas dentro daquela que sempre professei. E assim aconteceu.

Por um tempo me descuidei da fé. Mas, mesmo nesse tempo percebia a presença de Deus me conduzindo. E num momento de grande angústia, de vazio profundo, de desesperança, eu encontrei Deus. Quando eu já não sabia como agir na minha vida. Quando a tristeza tomava conta de mim. Do meu vazio eu clamei a Deus, e Ele só precisava disso para me preencher.

Do nada me apareceu a oportunidade de fazer uma peregrinação, e eu a abracei com todas as minhas forças. Foi o jeito mais terno e suave que já vi de um Pai reconduzir um filho de volta para casa, um filho que merecia talvez uns bons puxões de orelhas.

A peregrinação foi uma bênção, uma unção. Derramei diante de Nossa Senhora de Fátima, lá em Fátima, a minha pequenez, a minha ignorância, a minha insegurança, e pedi que me ajudasse a fazer a experiência de Deus, depois, lá em Assis, pedi a são Francisco que me ajudasse a abrir os olhos da fé, e ele me ajudou. Firmei propósitos de mudança. Ao retornar, conheci a espiritualidade franciscana, o que muito  ajudou na minha conversão.

Sim, porque apesar de ser participante da Igreja eu ainda não era convertida, eu não tinha despertado para a grandeza da espiritualidade. Apesar do movimento íntimo do meu ser, da minha busca constante, nada era ainda claro, eu não enxergava o outro lado.

Após a peregrinação comecei a colocar alguns pontos nos “is”. Comecei a estruturar minha vida para se adaptar à mudança que eu pretendia fazer na minha rotina. Procurei caminhos que me levassem ao crescimento espiritual, e me lancei com fé e esperança nesses caminhos.

Um dos caminhos que eu encontrei foi a meditação cristã, oração contemplativa, com a qual eu me identifiquei  plenamente. Outro caminho foi a Lectio Divina, e um terceiro muito rico: a vida dos santos, especialmente os grandes místicos da igreja (S. Teresa de Ávila, S. João da Cruz, S. Pedro de Alcântara, S. Gemma Galgani, S. Verônica Giuliani, S. Pe.Pio) porque é neles que eu encontro mais fortemente os sinais da presença de  Deus no meio de nós.

A meditação me ensinou a buscar Deus dentro de mim mesma, pois, o meu coração é a sua morada, eu sou templo do Espírito Santo. Despertou-me para realidades até então desconhecidas, para o auto conhecimento. E assim, convicta agora dessa realidade espiritual que já começo gozar pela fé, entre quedas e avanços, vou fazendo a minha história com Deus, em Jesus, Ele que é a minha luz, a minha razão de ser, e a minha meta.

E assim passei a entender a parábola da pedra preciosa escondida no campo... E hoje faço a experiência de viver com Deus. Não existe maior conforto.

(Socorro Melo)


Desejo a todos os leitores um feliz e abençoado Natal!


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

OLHA NOS MEUS OLHOS

Certa feita participei de um grande Seminário, na área de Recursos Humanos. E uma das oficinas, trabalhada por uma famosa psicóloga, foi muito marcante. Primeiro, pela desenvoltura com que ela conduzia os trabalhos, e segundo, porque parecia que ela dizia tudo o que queríamos ouvir, ou que precisávamos ouvir. Ela era agradável, atenciosa, e tinha uma larga experiência profissional.

E num dado momento, anunciou que faria conosco uma dinâmica de grupo. Ficamos entre apreensivos e curiosos, pois, quem é da área de Recursos Humanos, conhece um pouco os métodos de trabalho dos psicólogos, que por vezes, são bizarros.

Posicionamo-nos, conforme ela nos orientou, de dois em dois, um defronte pro outro, e segurando nas mãos, como se fossemos dançar a famosa peneirinha das quadrilhas matutas do Nordeste. Nesse ponto já estávamos rindo muito, e nos balançando, a exemplo da dança acima citada.

A instrutora pediu silêncio e atenção, e vendo que já estávamos posicionados, enunciou o procedimento da dinâmica, que era o seguinte: deveríamos nos manter sérios, e durante um tempo determinado por ela, que não era muito, nos olharmos nos olhos uns dos outros... E segurar o olhar.

Parecia tão simples, mais não foi. Até então, ríamos e brincávamos, e estávamos à vontade, porém, a partir do momento em que tentamos cumprir nossa tarefa, a coisa se complicou. Todos nós tivemos dificuldades de olharmo-nos nos olhos uns dos outros.

Uns riam muito, outros se curvavam, alguns tentavam e quando parecia que ia dar certo explodiam, e muitos declararam que não conseguiriam. A psicóloga insistiu, e não arredou o pé, até que nos enfileirássemos de novo, pois já havíamos tumultuado o ambiente.

Recomeçamos do zero. E dessa vez tensos, apreensivos...  Fomos de novo orientados, e aos poucos, um grande silêncio se fez na sala, quebrado apenas por alguns
abafados sorrisinhos. E dali a instantes, olhando-nos nos olhos, por frações de segundos, pois era tudo que conseguíamos, via-se torrentes de lágrimas brotarem de todos os olhos...

Por que este ato nos fragiliza tanto? Por que é tão difícil olhar nos olhos de outra pessoa? A sensação de encarar o outro face a face, e sustentar o seu olhar, é a mesma de nos despir diante de alguém. É como se o outro pudesse descobrir, através dos nossos olhos, todos os nossos segredos, como se nossa alma estivesse desnuda, como se o nosso maior tesouro estivesse à mostra.

Um ditado popular diz que ”os olhos, são o espelho da alma”, e é bem pertinente essa imagem. Ao olharmos nos olhos de outra pessoa, entregamo-nos. É um gesto muito forte, diante do qual, parece que mostramos nossa verdadeira identidade, nossas intenções, e fantasias.

E só vamos conseguir olhar, de fato, nos olhos de quem amamos, ou de quem nos ama, pois ali encontramos aconchego. Sabemos que quem nos ama, de verdade, não nos julga, e nos aceita como somos, com nossas imperfeições.

Quando o nosso olhar se cruza com o de alguém, que não é nosso afeto, a tendência é desviarmos. É como se estivéssemos invadindo uma propriedade alheia, ou sendo invadidos.

E assim, no fim dos trabalhos, olhando-nos desconfiados uns para os outros, nos abraçamos, e guardamos conosco, cada um, o instante mágico daquela viagem, em que navegamos para dentro da alma de nossos colegas, e colhemos um pouco da sensibilidade, que por tantos é guardada a sete chaves. E foi muito rica a conclusão dessa atividade. Foi há muito tempo.

(Socorro Melo)



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O POVOADO


O ônibus velho sacolejava enquanto ia cortando a estradinha de terra, e pelo barulho que fazia, dir-se-ia que na próxima curva se despedaçaria. Os bancos rasgados, sujos e empoeirados, as janelas quebradas, davam conta do quanto já havia passado o seu tempo de vida útil, mas, para aquele povoado, onde não havia nenhuma fiscalização, ainda era o principal e único meio de transporte coletivo,  que o ligava à cidade.

Eu estava absorta na paisagem que se descortinava à minha frente, sempre tão bela, encantada com o verde brilhante ao sol do meio dia, vendo passar ao lado as casinhas de taipa, outras de alpendres, e as recentes fazendas bem cuidadas. Vez por outra passava um barreiro quase seco, ou com água lamacenta, animais pastando, e as lembranças iam surgindo cada vez mais fortes em minha mente.
Há tantos anos eu fazia aquele percurso, vez em quando, e involuntariamente as janelas da minha memória se abriam para me presentear com fatos antigos, momentos vividos na mais tenra idade, em companhia dos meus jovens pais e da minha família.

E eu recordava nitidamente da casa de farinha, me via amedrontada à margem do rio Ipojuca num dia de enchente olhando as jangadas, via as mulheres artesãs confeccionando utensílios de barro, sentia o impacto dos tiros de bacamarte na noite de São João, a emoção do coco de roda nas festas juninas, via as bonecas de pano que minha madrinha fazia,  a procissão de São Sebastião percorrendo as poucas ruas do povoado, os pagadores de promessa com suas fitas vermelhas em volta do corpo, o presépio da Igrejinha que sempre me encantava, as brincadeiras e jogos infantis à noite sob um céu estrelado, o zabumbeiro e o homem do pífano que saíam de casa em casa recolhendo doações para o leilão da festa do padroeiro, os bolos de mandioca assados na palha da bananeira, as crianças beijando o altar de rosas de Nossa Senhora nas animadas noites de maio e benditos piedosos das devoções da semana santa.

E quando um nó já se formava na minha garganta, e algumas lágrimas saudosas teimavam em transbordar dos olhos, aquele povoado amigo, berço de minhas origens, se fazia notar à frente, de braços abertos para me receber, depois de me despertar uma doce comoção. Quase nada havia mudado. Ou não? Aquela serra alta e bonita que lhe serve de encosta continuava lá, com sua exuberância, mas as casinhas antigas já denotavam sinais de modernidade, já se via uma pracinha bem cuidada, um supermercado, colégios, barzinhos, e os celulares e Internet indicando que o futuro também chegara ali.

Não era mais aquele lugar pacato da minha infância, onde sequer tinha televisão. Algumas tradições se mantinham, mas, mesmo os costumes  haviam mudado muito. Porém, mudança alguma foi capaz de apagar a história que trago dentro de mim, tendo sido aquele pequeno pedaço de chão, o cenário de grandes alegrias do meu tempo de menina.


(Socorro Melo)