Pegadas de Jesus

Pegadas de Jesus

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CONTO: O TÊNUE FIO DA RAZÃO


Augusta apertou a cabeça entre as mãos, e a movimentou inúmeras vezes, como que para afugentar a agonia.

Naquela manhã, sentia-se cansada, sem ânimo, e resolveu ficar na cama por mais algum tempo. Virava-se, no entanto, de um lado para o outro, sem conseguir relaxar. Tornara-se insone, e há vários dias não dormia bem.

A mente mais parecia um redemoinho. Em frações de segundo, vieram à tona, todos os seus conflitos. Relembrava com angústia do seu casamento tumultuado, e de todas as ingratidões que o marido lhe fizera. Relembrava de todas as dificuldades que passara com os filhos, para os educar. Relembrava de tantos ideais e sonhos que tivera que abdicar.

Agora estava ali, sozinha. O marido se fora. Os filhos tomaram seus rumos na vida. E ela? O que restou?

Sentiu uma lágrima quente escorrer por sua face. Desvencilhou-se das cobertas, e levantou cambaleante. Dirigiu-se para a cozinha. Enquanto punha uma panela no fogo, debulhava-se em lágrimas, e se perguntava: o que fiz da minha vida? O que tenho eu, de fato?

Ninguém a havia preparado para a solidão. Amava os filhos, decerto, mas, não queria ser um peso em suas vidas. Cada um vivia agora segundo seus interesses, e cuidando, cada qual, da sua própria família.

Sentou-se pensativa, diante de uma xícara fumegante, e se sentiu amargurada. Era como se estivesse na reta final da vida, sem tempo de criar algo novo, e entristecida por ter aproveitado tão mal o seu tempo.

Pôs-se de pé para a execução de algumas tarefas, porém, viu-se impotente. Saiu à rua para desanuviar os pensamentos, e sem se programar empreendeu longa caminhada. Quando voltou, os primeiros raios de sol já se escondiam no horizonte.

Cruzou o limiar da porta, e viu sua filha correr ao seu encontro, preocupada. Ao invés de tranqüilizá-la, foi áspera. Queria ficar só, pensar na sua vida, tentar se desvencilhar da angústia que lhe torturava os pensamentos.

Perdera a vontade de lutar. Lutar para que? Já tinha feito isso por tanto tempo, e o que ganhara com isso? Percebia agora que nem seus filhos a amavam. Ninguém a amava, na verdade, ninguém nunca a amou.

Ela sim havia amado muito. Por anos a fio se desdobrou em cuidados e atenções. De que lhe serviram? O que fizera da sua vida?

Tomou um tranqüilizante e se deitou, todavia a mente, em torvelinho, não parava de gritar. Em sua alma inquieta se abriram sulcos de mágoas e de ressentimentos, e por longos instantes os remoeu.

No dia seguinte, levantou-se mais cedo do que de costume. Pôs-se diante do espelho, e começou a contornar o próprio corpo com as mãos. Segurou firmemente os seios, levantou os olhos, alisou os cabelos, sorriu, e por um bom tempo se deixou ficar ali. Havia um novo brilho no seu olhar, estranho, mas havia. Resolvera-se. E era melhor do que continuar naquela agonia.

Provou diversas roupas, e sapatos, e finalmente se decidiu. Estava satisfeita consigo mesma. A partir daquele instante, ela, Augusta, era uma nova mulher. Por que não pensara nisso antes? Quem lhe impedira?

Ela era uma mulher livre, e, portanto agora, iria aproveitar a vida como jamais fizera. Primeiro, faria um regime, pois estava muito gorda, depois, providenciaria um novo guarda-roupa. Mas, de imediato já podia adquirir produtos de maquiagem, algumas bijuterias, pois, há muito negligenciara com sua própria aparência.

Passou o dia fora, fazendo compras. O dia seguinte também. E assim, se sucederam outros dias. À noite, não dormia. Tinha medo de dormir, pois, ao encostar a cabeça no travesseiro, despertava seus piores pesadelos. Então bebia. A bebida sim lhe trazia certo alívio. E ao amanhecer, empreendia nova caminhada.

Já não cuidava do próprio asseio, nem da casa, que estava entregue a imundície. E todo dia, cuidava de adquirir coisas novas, supérfluas, e se deleitava com elas.

Agora tinha companhia: a Bárbara. Como alguém poderia negligenciar uma boneca tão linda? - Há mesmo muita gente descuidada - pensava. Mas, a Bárbara, agora seria bem tratada.

E à medida que os dias iam passando, Augusta cumulava Bárbara de mimos, e trazia-lhe novas companhias, do lixo.

Contas e mais contas se amontoavam na caixa do correio. A desordem e a sujeira imperavam no recinto de sua casa.

Augusta oscilava entre um estado mórbido e uma euforia descontrolada. Ria alto e estridentemente. Chorava horrores. Sentia medo. Sabia que estava sendo perseguida. Sim, eram três homens, usando enormes capas pretas, que a seguiam sempre, e mesmo na sua própria casa, os via. Arremessava objetos sobre eles. Eles se escondiam, mais depois voltavam. E entravam no seu sonho... Quer dizer, no seu pesadelo...

Sentia-se frágil. Quem seriam os homens de capa preta? Deduzira que o marido os mandara. Seria possível? Mesmo no túmulo ele ainda viria perturbá-la? E passou a carregar pedras, para se defender dos homens. E escondia Bárbara, para que não a molestassem.

Bebia. Chorava. Sofria. Arremessava pedras, objetos... Até que, um anjo, muito branco, passou a vigiá-la. Ele não se descuidava dela, por nada. Afugentava os homens de preto, e tratava Bárbara com carinho. Ele sim, a amava.

Sua cabeça estava mais leve. Já conseguia dormir. Aliás, era tudo que conseguia agora. Não tinha mais medo. E confortava-lhe saber que o anjo de branco estava ali...

Havia transposto a linha, a linha da razão. Era tênue, como saber? Não existiam degraus, graus, nada... Do outro lado estava a loucura. Seria possível voltar? A razão é um cristal fino... Uma vez quebrado... é possível emendá-lo? Não importava, ela agora se sentia segura, pois, o anjo de branco cuidava dela.

Por Socorro Melo

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O MEU CANTEIRO


Eu me encontrava recolhida, em repouso, cuidando da saúde... Isolei-me do mundo lá fora, e por dias, o meu mundo era a minha casa.

Enquanto me restabelecia, procurava fazer algo agradável, e devorava incansavelmente páginas e páginas dos meus velhos companheiros, os livros. Afora isso, também me deleitava com o meu canteiro.

O meu canteiro é bem minúsculo, e na verdade, não sou eu que cuido dele. Não tenho muita habilidade para cuidar de plantas. Vez ou outra, eu apenas molho as plantas, quando é necessário, mas é só isso. Porém, as plantas, exercem sobre mim um fascínio muito grande, e as aprecio com grande ternura.

Eu me aproximava do canteiro, todos os dias, e olhava com carinho e prazer, cada uma das espécies: o pé de alecrim, que exala um perfume inebriante, e as verbenas vermelhas, que dão um toque todo especial àquele cantinho. Lá, há também duas espécies de cróton, e três pequeníssimos pés de rosas, que aguardo com muita ansiedade o seu crescimento. As cores dessas rosas são das mais lindas que já vi.

Fiquei a imaginar, porque as sementes de girassol não brotaram... Se até mesmo o pezinho de hortênsias, se ergueu tão viçoso...

Num belo dia, em que o canteirinho estava banhado por uma luz bem clara, ouvi um barulhinho que me chamou a atenção, e para minha surpresa, vi um bem te vi, batendo as asas e sugando o néctar das minhas verbenas. Que cena linda! Parecia um ritual, uma dança... Fiquei tão feliz com aquela visita.

Apareceram por lá também, naqueles dias, um jovem passarinho e sua mãe. O jovem estava tendo suas primeiras aulas de vôo, assessorado por ela. Enquanto ele se exercitava, perto do canteiro, ela ia e vinha, dava vôos rasantes, e, vez em quando, punha algo no bico do filho. Ele batia as asas, e levantava pequenos vôos, com uma dificuldade tremenda, que era bem perceptível. Mas, ao cabo de três dias, se lançou no espaço, bateu asas e voou para longe. Ademais, a minha casa, já pode ser até considerada um centro de treinamento de passarinhos, pois, é comum aparecem por lá os jovens treinandos.

O dia todo, do nascer ao pôr do sol, os passarinhos fazem festa por lá: sobrevoam, pousam no telhado, nos fios, cantorolam, saltitam, e passeiam no canteiro.

Cada uma dessas visitas, cada um desses seres, passam e deixam suas marcas. E me pus a pensar em quantas lições de vida nos dá a natureza. Não é preciso que tenhamos um grande jardim, pois um pequeno canteiro também nos enche de beleza e nos proporciona grandes reflexões.

No meu canteiro, eu pude, e posso, ver o reflexo do sol sobre as plantas orvalhadas, posso ver a melancolia da chuva se derramar sobre ele, posso ver a agitação dos passarinhos, as borboletas amarelas, e o beija-flor, beijando alegremente as rubras pétalas das minhas verbenas. À noite, quando se faz silêncio, e todos os bichinhos do canteiro dormem, posso ver o manto azul do céu, bordado de estrelas, cobrindo serenamente aquele cantinho, e um anjo de asas prateadas velando por ele. Por que será que a natureza nos proporciona tanta serenidade? Penso que sei: porque em todas as coisas criadas, por trás delas, existe a marca, a presença, do Grande Espírito criador.

Por Socorro Melo

terça-feira, 18 de setembro de 2012

UM GRANDE SUSTO... E QUE ALÍVIO!

“Nada temas, porque estou contigo. Não lances olhares desesperados, pois eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e venho em teu socorro, eu te amparo com a minha destra vitoriosa”. Isaías 41,10.


Você já se fez esta pergunta: por que comigo tem que ser diferente? Eu, sim, algumas vezes. E agora muito recentemente, conforme o relato que exponho abaixo.

Quem passa por aqui sabe, que dias atrás me submeti a uma cirurgia, para retirada da vesícula biliar: uma colescistectomia. A colescistectomia é um procedimento simples, de porte, mas simples, porém, no meu caso, houve algumas particularidades específicas.

O que eu sentia? Queimação moderada. Típica de gastrite. Fui ao médico, me foi solicitada uma bateria de exames, e entre eles, Endoscopia e Ultra-sonografia. A Endoscopia não acusou nada, nenhuma gastrite, porém, a Ultra-sonografia deu início a um processo de investigação, de grande tensão e medo.

Durante a realização do exame (Ultra-sonografia), o médico fez um espanto, que me deixou amedrontada. A minha vesícula apresentava alguma coisa estranha, e o diagnóstico foi nebuloso. Ele, porém, me preveniu de que era um caso cirúrgico.

Dias depois, quando levei o resultado do exame para o médico que o solicitou, o gastroenterologista, vi uma incógnita nos olhos dele. Perguntei do que se tratava, e ele me disse que estava muito nebulosa a imagem, e sem diagnóstico preciso. Pediu uma Ressonância Magnética. Questionei se era algo comum, e ele me disse que, em toda sua vida de médico, havia visto coisa parecida apenas três vezes. Não tive coragem de perguntar quantos sobreviveram.

Fiz a Ressonância solicitada, e a coisa se complicou um pouco mais. A imagem agora apresentava uma protuberância sugestiva de tumor. Atemorizada, consultei um outro médico, na tentativa de ouvir algo mais acalentador, que dissipasse meu nervosismo, no entanto, ocorreu o inverso.

O médico, o segundo que procurei, à medida que lia o laudo da Ressonância, deixava transparecer no semblante, certa inquietação. Franzia a testa, tornava-se mais sério, até que me sugeriu consultar um cirurgião oncológico. Pronto, é o fim, pensei. Por fim, vendo-me em estado de choque, e desacompanhada, falou que a medicina tem muitos erros, e que eu confiasse em Deus, e etc. etc. Saí arrasada, e perambulei pelas ruas sob forte emoção, e com lágrimas nos olhos.

Instintivamente, resolvi consultar um novo médico, na capital, pois moro no interior, e acatei a sugestão dada, marquei com um cirurgião oncológico. Quatro dias depois, estava diante do novo médico: cheia de medo e expectativas. Ele examinou os exames, e solicitou uma nova Ultra-sonografia, indicando um profissional de sua confiança. Achou estranho o resultado dos exames que apresentei (Ultra-sonografia e Ressonância Magnética), e disse que estavam falando “linguagens diferentes”.

O fato de eu não sentir dores, náuseas, vômitos, intrigava os médicos. Eu não sentia nada, a não ser o leve queimor. Minha lesão era diferente do normal. Era atípica.

Quando fiz a nova Ultra-sonografia, senti certo alívio, pois o médico que a realizou disse não ver nada demais, apenas formação de cálculos e uma grande inflamação.

Fiz mais alguns exames, de sangue (CA 125, CA 19.9 e CAE), e para o meu grande alívio, os resultados foram negativos, foram bons.

Marcada a cirurgia, o médico cirurgião ainda me dizia que meu caso não tinha diagnóstico e que só a biópsia poria um fim à situação. Além do exame histopatológico, foi solicitada uma biópsia de congelação, em que o patologista faz na hora o estudo da peça e já adianta se se trata de malignidade ou não. Por causa dessa “biópsia de congelação” a cirurgia foi realizada no método convencional, e não por vídeo-laparoscopia.

Em agosto me submeti à cirurgia, e para minha grande alegria, a nebulosidade, a sugestão de nódulo, era apenas cristais de colesterol, ou seja, nada atípico, completamente normal. Que alívio!

Por que comigo tinha que ser diferente? Porque, sem dúvidas, eu precisava aprender alguma coisa... Precisava parar para refletir sobre mim mesma, e meu relacionamento com Deus e com o meu semelhante... Precisava subir mais um degrau na escada da fé... Precisava me lançar nos braços de Deus... E assim o fiz.

Foi um grande combate. E o que mais me consola, é não ter me desesperado, mas, apesar do medo, ter me confiado nas mãos de Deus, e ter sentido a sua presença misericordiosa me dando forças e coragem. Por isso, a minha eterna gratidão a Ele que é, que foi e que sempre será, a minha segurança, o meu Deus, o meu tudo. Obrigada, Senhor!


“Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um”. Albert Einstein


domingo, 2 de setembro de 2012

PRÊMIO LITERÁRIO VALDECK ALMEIDA DE JESUS - 2011 - CRÔNICAS

Olá, queridos amigos e amigas!

Tive a honra de ser selecionada, no Concurso de Crônicas - 2011, do Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus, e convido-os a conhecerem o trabalho, publicado em livro, bem como o grande poeta e escritor baiano Valdeck Almeida de Jesus, através de seus diversos trabalhos.

Conheçamos o prefácio do livro:

PREFÁCIO DO LIVRO:

A crônica é caracterizada pela opinião do autor acerca da realidade 
que o atinge, distante ou não. Definições para crônica existem 
algumas, mas, a despeito da categorização, o importante aqui é a 
voz de cada autor, sua indignação com a vida em sociedade, os 
costumes, a política, o cotidiano, etc. 
São muitas mentes refletindo sobre temas que vão desde a 
decadência na qual Salvador se encontra até os hábitos nordestinos, 
como o prazeroso costume de se refestelar em uma rede para pensar 
melhor sobre os mistérios da vida. Há também os que preferem 
exaltar as belezas brasileiras, classificar os homens em apenas duas 
espécies (espero não estar incluso em nenhuma das duas 
explicitadas pela autora em questão) ou criticar o novo acordo 
ortográfico. 
Muitas opiniões sobre muitos assuntos. Se quiserem judeus e 
muçulmanos, este livro tem. Se quiserem ler sobre o casamento, 
aqui irá encontrar. Sobre o descaso com o desperdício da água, 
também. O ofício da escrita? Sim, encontrará nessa coletânea. E, se 
quiserem ler sobre o celeiro de bons escritores nascidos na Bahia, 
aqui é o lugar para saber quais são esses nomes. Conhecem a 
escritora Morgana Gazel? Para quem pensou ou disse não, já está 
na hora de saber. E, claro, como esquecer o atual fim do mundo? 
Antes que seja tarde, leia esta crônica também.
Para dar corpo às crônicas, os autores não teceram seus textos 
apenas com os fios de uma realidade concreta, mas utilizaram a 
ficção para falar dessa própria realidade, como é o caso de, por 
exemplo, 'O amor é para todos', 'A zebra, o leão e a hiena' ou 
'Incompatibilidade semântica', entre outros. 
Com tanta profusão de temas e autores não há como o livro não 
suscitar divergências de opiniões no leitor que apreciar suas 
páginas. Mas não é isso que move e promove as mudanças? As 
divergências de opiniões, os debates, as boas discussões fazem 
crescer quem lê e quem escreve. Quem sabe as crônicas contidas 
nesta coletânea possam contribuir para a mudança de mentalidades 
e, desta forma, façam surgir um cotidiano repleto de crônicas onde 
a tônica seja mais amor, respeito, civilidade e menos preconceito, 
falta de educação e violência.

(Sandro Caldas - Jornalista)

Nosso livro está no site PerSe e pode ser comprado diretamente lá...
Se puder, espalhe entre seus contatos. 
Obrigada! 
Paz e Bem a todos!.
Socorro Melo