Pegadas de Jesus

Pegadas de Jesus

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O POVOADO


O ônibus velho sacolejava enquanto ia cortando a estradinha de terra, e pelo barulho que fazia, dir-se-ia que na próxima curva se despedaçaria. Os bancos rasgados, sujos e empoeirados, as janelas quebradas, davam conta do quanto já havia passado o seu tempo de vida útil, mas, para aquele povoado, onde não havia nenhuma fiscalização, ainda era o principal e único meio de transporte coletivo,  que o ligava à cidade.

Eu estava absorta na paisagem que se descortinava à minha frente, sempre tão bela, encantada com o verde brilhante ao sol do meio dia, vendo passar ao lado as casinhas de taipa, outras de alpendres, e as recentes fazendas bem cuidadas. Vez por outra passava um barreiro quase seco, ou com água lamacenta, animais pastando, e as lembranças iam surgindo cada vez mais fortes em minha mente.
Há tantos anos eu fazia aquele percurso, vez em quando, e involuntariamente as janelas da minha memória se abriam para me presentear com fatos antigos, momentos vividos na mais tenra idade, em companhia dos meus jovens pais e da minha família.

E eu recordava nitidamente da casa de farinha, me via amedrontada à margem do rio Ipojuca num dia de enchente olhando as jangadas, via as mulheres artesãs confeccionando utensílios de barro, sentia o impacto dos tiros de bacamarte na noite de São João, a emoção do coco de roda nas festas juninas, via as bonecas de pano que minha madrinha fazia,  a procissão de São Sebastião percorrendo as poucas ruas do povoado, os pagadores de promessa com suas fitas vermelhas em volta do corpo, o presépio da Igrejinha que sempre me encantava, as brincadeiras e jogos infantis à noite sob um céu estrelado, o zabumbeiro e o homem do pífano que saíam de casa em casa recolhendo doações para o leilão da festa do padroeiro, os bolos de mandioca assados na palha da bananeira, as crianças beijando o altar de rosas de Nossa Senhora nas animadas noites de maio e benditos piedosos das devoções da semana santa.

E quando um nó já se formava na minha garganta, e algumas lágrimas saudosas teimavam em transbordar dos olhos, aquele povoado amigo, berço de minhas origens, se fazia notar à frente, de braços abertos para me receber, depois de me despertar uma doce comoção. Quase nada havia mudado. Ou não? Aquela serra alta e bonita que lhe serve de encosta continuava lá, com sua exuberância, mas as casinhas antigas já denotavam sinais de modernidade, já se via uma pracinha bem cuidada, um supermercado, colégios, barzinhos, e os celulares e Internet indicando que o futuro também chegara ali.

Não era mais aquele lugar pacato da minha infância, onde sequer tinha televisão. Algumas tradições se mantinham, mas, mesmo os costumes  haviam mudado muito. Porém, mudança alguma foi capaz de apagar a história que trago dentro de mim, tendo sido aquele pequeno pedaço de chão, o cenário de grandes alegrias do meu tempo de menina.


(Socorro Melo)

3 comentários:

Roselia Bezerra disse...

Olá, querida Socorro
Que bonito ver sua aldeia depois que cresceu bem e feliz!
A minha é uma miragem de bandidos... antes, era interior e pacato... que pena!
Bjm fraterno

Elvira Carvalho disse...

É sempre assim amiga. O progresso pode apagar do mapa os sítios transformando-os em outros completamente diferentes, mas o que conta para nós, é a imagem do que foram e do neles vivemos. E continuam intocáveis até ao fim dos nossos dias.
Um abraço

Gracita disse...

Olá Socorro
Uma bela história permeada de emoções que você trouxe dos recônditos de tua memória para nos presentear com um conto maravilhoso
Um dia abençoado e feliz
Beijos e sorrisos