CORDEL: ANJO AZUL

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Pedi a Deus pra ser anjo
Numa noite de aflição
Ele me fez o arranjo
Com leve toque de mão
Sorriu e disse-me: Arcanjo,
Vá cumprir sua missão!

Vi-me como um anjo azul
De cândidas faces rosadas
Ostentando enormes asas
Belas, finas, alongadas...
Levitei... desci ao chão
Contudo não via nada.

Não vi as ondas do mar
Nem a luz do amanhecer
Nem a flor desabrochar
Ou mesmo o sol se esconder
Não vi a lua brilhar
Nem a neve derreter.

O gosto eu não senti
Da acidez da maçã
Do doce do sapoti
Do frescor da hortelã
Da melancia ou caqui
Do morango ou da romã.

Não senti cheiro de nada
Nem da flor de laranjeira
Tampouco terra molhada
Ou mesmo de erva cidreira
Nem da chuva na calçada
Ou do café na chaleira.

Não ouvi a voz do vento
Nem o ronco do trovão
E até mesmo o lamento
Do povo do meu sertão
Nem as batidas aqui dentro
Do meu próprio coração.

Do abraço, só a lembrança...
E da carícia do beijo
Da lágrima de esperança
Da inspiração, do desejo...
Da fé, da perseverança
Da labuta, e do traquejo.

Não via o tempo passar...
- Que fazer com a eternidade?
Por Deus me pus a chamar:
Quero minha humanidade!
E desatei a chorar
E Deus sentiu piedade...

Então vi jardins floridos
Senti aromas no ar
Ouvi o grande alarido
Do trovão a se espalhar
E comi frutos colhidos
Da fartura do pomar.

Senti a dor renitente
E o descanso do leito
O vai e vem reticente
Do ser humano imperfeito
E se Deus me quisesse anjo
No princípio tinha feito.

Por Socorro Melo