Meus familiares se animaram, vendo a
experiência das outras pessoas que atravessaram o rio, com a água na altura do
pescoço, e resolveram atravessar também, porém, existia um grande empecilho:
eu. Eu devia ter uns oito anos naquela ocasião. Então, de comum acordo,
resolveram que a minha travessia seria de jangada. Eu, ainda agarrada na saia
da minha mãe, tremendo de medo por mim e por eles, desatei a chorar. Não queria
ir na jangada, sozinha, sem a minha mãe. E não concordava que ela enfrentasse
aquele rio impiedoso. O jangadeiro, vendo meu dilema, reforçou as palavras de
minha mãe: não há o que temer as águas já baixaram... E se elas voltarem? –
perguntei. Não voltam mais, elas estão indo para o mar. – E se vierem outras? –
Insisti. Faremos nossa passagem bem rápida, falou o jangadeiro, não dá tempo de
elas nos alcançarem. Senti tanta firmeza nas palavras daquele homem. Ele me
transmitiu tanta segurança, que até aquele instante, só minha mãe tinha o
dom de fazê-lo. Então fui. O jangadeiro, que era um conhecido da família,
segurou minha mão, me pôs no colo, e me conduziu até a jangada. Fiz um pequeno
escândalo quando ele alcançou o rio, pois, me parecia que ia nos tragar, e nos
arrastar, como fizera com as árvores e o lixo, que eu vi descer tão
rapidamente. Mamãe aproximou-se e tentou me acalmar.
Dai a instantes, estava eu sentada na
jangada, que balançava sem parar. O frio era cortante, e comecei tremer
não sei se de frio, ou se de medo. O jangadeiro enrolou-me
com uma lona, e disse para eu fechar os olhos, por um momento, que quando os
abrisse, já estaríamos do outro lado. Não consegui seguir o seu conselho. Eu
precisava ficar de olhos bem abertos para monitorar os passos de minha mãe, que
desajeitadamente, com água acima da cintura, se debatia, juntamente com minha
avó e tio, e outros passantes, que tentavam fazer a travessia, lutando contra a
forte correnteza.
O jangadeiro via minha preocupação, e meu
medo, e tentava me acalmar. Conduzia a embarcação com bastante habilidade, mas,
vez em quando, uma lufada d’água vinha em nossa direção, por sorte a lona me
protegia. Ele ria e fazia anedotas, e se dizia capitão de grande navio.
Chamava-me de senhorita e perguntava se estava gostando da viagem, então eu
sorri, e relaxei ouvindo as suas histórias mirabolantes. Era um homem
rude, como podia ter tanta habilidade para lidar com crianças, numa situação
daquelas? Não sei, só sei que me deixei absorver por suas histórias, e de
repente já me via aportando do outro lado do mundo, segundo ele. E pra minha
surpresa, o outro lado do mundo era a nossa margem de destino. Quando me
retirou da jangada, olhou pra mim e disse: viu? Chegamos são e salvos. Eu sou
ou não sou um bom capitão? Balancei a cabeça afirmativamente, sorri, e fui ao
encontro dos outros que se aproximavam.
(Socorro Melo, Projeto Cata-Vento).
5 comentários:
Que lindo conto e experiência essa aos 8 anos...beijos,chica
Fatos acontecidos na infância que você guardou para sempre e nessa hora vem sempre a imagem da mãe , do jangadeiro e outros que te inspiraram confiança.
Também tive esses momentos. Atravessava de canoa e tinha receio que a canoa virasse.
Bjs.
linda historia Socorro, ja era corajosa na infância!!!
Querida Socorro! Você continua escrevendo cada vez melhor. Você é uma grande contista minha amiga, dá gosto a gente ler, e dá uma pena quando acaba. E essa sensação a gente sente somente quando está diante de um texto vivo, muito bem escrito. Como esse e todos os outros de tua autoria, que eu tive a oportunidade de ler, no tempo que eu blogava. Depois que parei, parei. Mas dos seus escritos nunca esqueci. Agora voltei e aqui está você novamente. Um beijo amiga, estarei sempre por aqui. Marli
Muito grata, minhas amigas, por virem aqui me visitar.
Marli, suas palavras me emocionaram, mas, sou nada não, apenas uma apaixonada pela arte de escrever.
Beijos no coração de todas
Socorro Melo
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