Pegadas de Jesus

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domingo, 27 de setembro de 2015

PIEDADE




Dedico este post ao amigo Luciano que hoje encerrou sua trajetória nesta terra, e à sua mãe, com os meus sinceros sentimentos... Só muda os personagens, a dor é a mesma ...

"Olhei emocionada para a fotografia à minha frente. Era a La Pietá de Michelangelo. Pensei em Nanda, e em Dona Sofia. A Pietá sempre me emociona, pois, o artista soube transmitir com muita originalidade a dor de uma mãe que põe nos braços um filho morto: é uma dor descomunal, uma tristeza ímpar, um desespero sem nome. Tantas vezes já vi fotografias dessa obra, em livros, na rede mundial de computadores, mas, dessa vez foi diferente, pois, a fotografia em minhas mãos, foi tirada por mim. Estive ali, me espremendo no meio de pequena multidão, para ver de perto a obra original de Michelangelo que está exposta na Basílica de São Pedro, no Vaticano. E eu a vi, e me emocionei, pela oportunidade que representou para mim aquele instante. Mas, por que me lembrei de Nanda, e de sua mãe?

Porque um dia eu as vi assim, como na Pietá. Porque as lágrimas de Dona Sofia, o desespero e a dor eram iguais ao da virgem Maria. Porque Nanda jazia morta, num triste caixão à sua frente, e ela não podia fazer mais nada. Porque ela não desgrudava de perto, porque segurava as mãos da filha com tanto carinho, como se pudesse, num passe de mágica, reverter àquela situação, dar-lhe de novo à luz, ou acordar de um terrível pesadelo.

Nanda dedicara-se à mãe, desde que a mesma sofrera um AVC. Praticamente não tinha mais vida própria. Seu mundo era o trabalho, e até mesmo esse, já havia sofrido interferências, e a sua casa, onde em tempo integral cuidava dela.

A família era pequena: apenas ela, a mãe, e mais uma irmã e um irmão, que moravam fora, com suas respectivas famílias. E Nanda vivia apenas com sua mãe, que dela dependia totalmente. Fazia-lhe todos os gostos, tratava-a com carinho, era paciente, e não lhe deixava faltar nada.

Dona Sofia, que era octogenária, vez por outra, tinha fortes crises e precisava ser hospitalizada e Nanda, se afastava do trabalho para acompanhá-la. Nesses momentos, chamava a irmã, para ajudá-la, mas, se a situação não fosse muito grave, nem isso ela fazia. Os amigos advertiam-na, para que não se sobrecarregasse tanto, pois, isso poderia ter conseqüências na sua saúde, mas Nanda, não se preocupava muito com isso. Queria poupar a todos de sofrimentos. E por muitos anos, viveram assim. Ela era bem humorada, apesar de como vivia. E não deixava que a tristeza se apoderasse de sua mãe, sempre tinha uma história engraçada pra contar... E dona Sofia, apesar das limitações, parecia feliz. Nanda era o seu sustentáculo, junto com sua fé.

Até que um dia, o coração de Nanda não agüentou tanta pressão, e ela se foi, de forma súbita, inesperada...

Na manhã daquele dia eu a encontrei, sentada em um banco, aguardando a sua condução para o trabalho. Tudo parecia normal, nada denotava que naquele dia a vida teria um desfecho diferente. Cumprimentamo-nos, sorrimos, e eu prossegui minha caminhada, sem sequer imaginar que aquela seria a ultima vez que eu a veria com vida.

E assim foi. Só mais tarde, quando recebi a notícia da sua morte, refleti sobre tanta coisa, e mais especialmente, sobre a efemeridade da vida. Nanda não existia mais, os seus belos e serenos olhos azuis não se abririam mais, e a sua voz, que proferia palavras firmes e confortantes se calara para sempre.

E ali, na minha frente, a La Pietá ganhou vida. Mudaram-se apenas os personagens: era dona Sofia, que com o semblante carregado de dor, acarinhava sua amada filha, que se despedia para sempre. Seu mundo parecia ter desmoronado, seu sofrimento era incomensurável.

A piedade, retratada na obra genial de Michelangelo, ganha vida todas as vezes, que uma mãe se debruça diante de um filho que se adianta, que se antecede, e que se vai, contrariando o curso natural, a lógica da vida. Como se a vida tivesse lógica...


Por esse, e por tantos outros exemplos, que vi de perto, confirma-se que a vida não tem lógica, nem curso normal, e que a única certeza é a de sermos impermanentes. Vivamos, pois, o agora, que é a nossa garantia, e deixemos na vontade de Deus o futuro que pode existir ou não. E que a La Pietá, o sofrimento alheio, sempre encontre no nosso coração a mais pura compaixão, o mais firme abraço, ou apenas o silêncio, que servirá de alívio, de lenitivo, para o que imaginamos ser a mais cruel de todas as dores do ser humano, perder um filho".

(Socorro Melo)

7 comentários:

chica disse...

La Pietá emociona sempre.Linda e carinhosa, emocionante homenagem fizeste aqui! Bjs, chica

Gracita disse...

Bom dia Socorro
Muito comovente essa história.
Uma vida dedicada a fazer a felicidade de uma mãe e numa curva do vento dá o seu último e voa para o infinito
Que Deus conforte o coração dessa mãe nesse momento de dor extrema
Tenha um lindo dia querida
Beijos e carinhos

Élys disse...

Um momento de dor...Um afastamento, até quando?...Creio na vida sem fim, mas a partida é difícil e deixa saudades. Nestas horas, acredito que Deus está abençoando a todos.
Um abraço, Élys.

Élys disse...

Este é um difícil momento. Mas crendo na vida eterna, temos um consolo. Creio ninguém está desamparado por Deus.

Elvira Carvalho disse...

Sem palavras que sirvam de consolo, pela perda de seu amigo, deixo um abraço, e retiro-me pedindo ao Senhor que derrame algum consolo no coração da pobre mãe.
Abraço

Socorro Melo disse...


Obrigada, amigos! A mãe de Nanda também já se foi, dois anos depois dela. A outra mãezinha está começando seu calvário, mas, Deus, que é Pai vai ajudá-la a conviver com a saudade, enchendo-a de fé e de grande esperança. Eu creio nisso.

Grande abraço a todos
Socorro Melo

Toninho disse...

Uma interessante e bela comovente historia Socorro.
Estas inversões na vida é mesmo de doer.
A Pietá é de uma emoção infinita, tenho aqui no meu quarto.
Carinhoso abraço amiga.