Certa feita
participei de um grande Seminário, na área de Recursos Humanos. E uma das
oficinas, trabalhada por uma famosa psicóloga, foi muito marcante. Primeiro,
pela desenvoltura com que ela conduzia os trabalhos, e segundo, porque parecia
que ela dizia tudo o que queríamos ouvir, ou que precisávamos ouvir. Ela era
agradável, atenciosa, e tinha uma larga experiência profissional.
E num dado
momento, anunciou que faria conosco uma dinâmica de grupo. Ficamos entre
apreensivos e curiosos, pois, quem é da área de Recursos Humanos, conhece um
pouco os métodos de trabalho dos psicólogos, que por vezes, são bizarros.
Posicionamo-nos, conforme ela nos
orientou, de dois em dois, um defronte pro outro, e segurando nas mãos, como se
fossemos dançar a famosa peneirinha das quadrilhas matutas do Nordeste. Nesse
ponto já estávamos rindo muito, e nos balançando, a exemplo da dança acima
citada.
A instrutora
pediu silêncio e atenção, e vendo que já estávamos posicionados, enunciou o
procedimento da dinâmica, que era o seguinte: deveríamos nos manter sérios, e
durante um tempo determinado por ela, que não era muito, nos olharmos nos olhos
uns dos outros... E segurar o olhar.
Parecia tão
simples, mais não foi. Até então, ríamos e brincávamos, e estávamos à vontade,
porém, a partir do momento em que tentamos cumprir nossa tarefa, a coisa se
complicou. Todos nós tivemos dificuldades de olharmo-nos nos olhos uns dos
outros.
Uns riam muito,
outros se curvavam, alguns tentavam e quando parecia que ia dar certo
explodiam, e muitos declararam que não conseguiriam. A psicóloga insistiu, e
não arredou o pé, até que nos enfileirássemos de novo, pois já havíamos
tumultuado o ambiente.
Recomeçamos do
zero. E dessa vez tensos, apreensivos...
Fomos de novo orientados, e aos poucos, um grande silêncio se fez na
sala, quebrado apenas por alguns
abafados
sorrisinhos. E dali a instantes, olhando-nos nos olhos, por frações de
segundos, pois era tudo que conseguíamos, via-se torrentes de lágrimas brotarem
de todos os olhos...
Por que este ato
nos fragiliza tanto? Por que é tão difícil olhar nos olhos de outra pessoa? A
sensação de encarar o outro face a face, e sustentar o seu olhar, é a mesma de
nos despir diante de alguém. É como se o outro pudesse descobrir, através dos nossos
olhos, todos os nossos segredos, como se nossa alma estivesse desnuda, como se
o nosso maior tesouro estivesse à mostra.
Um ditado
popular diz que ”os olhos, são o espelho da alma”, e é bem pertinente essa
imagem. Ao olharmos nos olhos de outra pessoa, entregamo-nos. É um gesto muito
forte, diante do qual, parece que mostramos nossa verdadeira identidade, nossas
intenções, e fantasias.
E só vamos conseguir
olhar, de fato, nos olhos de quem amamos, ou de quem nos ama, pois ali
encontramos aconchego. Sabemos que quem nos ama, de verdade, não nos julga, e
nos aceita como somos, com nossas imperfeições.
Quando o nosso
olhar se cruza com o de alguém, que não é nosso afeto, a tendência é
desviarmos. É como se estivéssemos invadindo uma propriedade alheia, ou sendo
invadidos.
E assim, no fim
dos trabalhos, olhando-nos desconfiados uns para os outros, nos abraçamos, e
guardamos conosco, cada um, o instante mágico daquela viagem, em que navegamos
para dentro da alma de nossos colegas, e colhemos um pouco da sensibilidade,
que por tantos é guardada a sete chaves. E foi muito rica a conclusão dessa
atividade. Foi há muito tempo.
(Socorro Melo)