O
ônibus velho sacolejava enquanto ia cortando a estradinha de terra, e pelo
barulho que fazia, dir-se-ia que na próxima curva se despedaçaria. Os bancos
rasgados, sujos e empoeirados, as janelas quebradas, davam conta do quanto já
havia passado o seu tempo de vida útil, mas, para aquele povoado, onde não
havia nenhuma fiscalização, ainda era o principal e único meio de transporte
coletivo, que o ligava à cidade.
Eu
estava absorta na paisagem que se descortinava à minha frente, sempre tão bela,
encantada com o verde brilhante ao sol do meio dia, vendo passar ao lado as
casinhas de taipa, outras de alpendres, e as recentes fazendas bem cuidadas.
Vez por outra passava um barreiro quase seco, ou com água lamacenta, animais
pastando, e as lembranças iam surgindo cada vez mais fortes em minha mente.
Há
tantos anos eu fazia aquele percurso, vez em quando, e involuntariamente as
janelas da minha memória se abriam para me presentear com fatos antigos,
momentos vividos na mais tenra idade, em companhia dos meus jovens pais e da
minha família.
E
eu recordava nitidamente da casa de farinha, me via amedrontada à margem do rio
Ipojuca num dia de enchente olhando as jangadas, via as mulheres artesãs
confeccionando utensílios de barro, sentia o impacto dos tiros de bacamarte na
noite de São João, a emoção do coco de roda nas festas juninas, via as bonecas
de pano que minha madrinha fazia, a
procissão de São Sebastião percorrendo as poucas ruas do povoado, os pagadores
de promessa com suas fitas vermelhas em volta do corpo, o presépio da Igrejinha
que sempre me encantava, as brincadeiras e jogos infantis à noite sob um céu
estrelado, o zabumbeiro e o homem do pífano que saíam de casa em casa
recolhendo doações para o leilão da festa do padroeiro, os bolos de mandioca
assados na palha da bananeira, as crianças beijando o altar de rosas de Nossa
Senhora nas animadas noites de maio e benditos piedosos das devoções da semana
santa.
E
quando um nó já se formava na minha garganta, e algumas lágrimas saudosas
teimavam em transbordar dos olhos, aquele povoado amigo, berço de minhas
origens, se fazia notar à frente, de braços abertos para me receber, depois de
me despertar uma doce comoção. Quase nada havia mudado. Ou não? Aquela serra
alta e bonita que lhe serve de encosta continuava lá, com sua exuberância, mas as
casinhas antigas já denotavam sinais de modernidade, já se via uma pracinha bem
cuidada, um supermercado, colégios, barzinhos, e os celulares e Internet
indicando que o futuro também chegara ali.
Não
era mais aquele lugar pacato da minha infância, onde sequer tinha televisão.
Algumas tradições se mantinham, mas, mesmo os costumes haviam mudado muito. Porém, mudança alguma
foi capaz de apagar a história que trago dentro de mim, tendo sido aquele
pequeno pedaço de chão, o cenário de grandes alegrias do meu tempo de menina.
(Socorro
Melo)
3 comentários:
Olá, querida Socorro
Que bonito ver sua aldeia depois que cresceu bem e feliz!
A minha é uma miragem de bandidos... antes, era interior e pacato... que pena!
Bjm fraterno
É sempre assim amiga. O progresso pode apagar do mapa os sítios transformando-os em outros completamente diferentes, mas o que conta para nós, é a imagem do que foram e do neles vivemos. E continuam intocáveis até ao fim dos nossos dias.
Um abraço
Olá Socorro
Uma bela história permeada de emoções que você trouxe dos recônditos de tua memória para nos presentear com um conto maravilhoso
Um dia abençoado e feliz
Beijos e sorrisos
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