O dia 18 de
setembro de 2006 teria sido um dia comum para Anete, daqueles em que se sai da
cama com a impressão de que se continua dormindo, e ao longo do dia realizam-se
as mesmas atividades de rotina... Não fosse pela desventura de sofrer aquele
assalto, à noite, nas proximidades de sua casa.
Um assalto igual
a tantos outros, mas que marcaria para sempre a sua vida. Não pelos pertences
que perdeu, ou pelo constrangimento de enfrentar burocracia para retirar novos
documentos, ou pelo medo da violência, mas, pelo que viria a representar mais
tarde.
Anete se sentiu
ultrajada quando o ladrão lhe abordou, arrancando-lhe a bolsa, porém, nada de
grave lhe aconteceu. Mas, em casa, pôs-se a pensar no caso, revoltada, e
reviveu todo o drama, e naquela noite dormiu muito mal.
No dia seguinte,
chegou ao trabalho abatida, e compartilhou com os colegas o que lhe acontecera
na noite anterior. Sua chefa, vendo toda aquela revolta, disse-lhe: vão-se os
anéis e ficam os dedos.
Estava com
viagem marcada para a semana seguinte: iria, juntamente com sua Chefa, para
Manaus, onde ministrariam um treinamento para algumas unidades daquela região.
Era sua primeira viagem pela Instituição.
Começara naquele
trabalho há pouco tempo, mas já se sentia acolhida. Harmonizara-se com os
colegas, e nutria grande respeito e admiração pela Chefa.
Entanto, aquele
assalto viria a mudar os seus planos de viagem: a chefa resolvera levar consigo
a Claudinha, vez que Anete estava sem documentos, e envolvida numa verdadeira
maratona de providências, em virtude do famigerado assalto.
Embora triste
Anete achou bastante pertinente a resolução da Chefa. Em outubro haveria outro
evento, numa outra região, e até lá, ela já teria organizado sua vida.
Todavia, o que
aconteceu depois, causou um impacto de proporções tão gigantescas na vida de
Anete, que passou a funcionar como um divisor de águas.
Na noite do dia
29 de setembro de 2006, o Jornal Nacional da TV Globo, em edição
extraordinária, noticiava que o Boeing 737-800 da empresa Gol Transportes
Aéreos, desaparecera dos radares aéreos, por volta das 17 horas, no trecho de
Manaus para Brasília.
Naquele
instante, Anete que estava debruçada sobre livros de Direito Civil, estudando,
saiu em direção à sala da TV, atraída pela música de chamada do noticiário,
para ouvir a notícia extraordinária. À medida que escutava, sentia suas pernas
tremerem, em virtude da possibilidade das duas amigas estarem a bordo da
aeronave em questão, já que as mesmas se deslocavam de Manaus para Brasília.
Depois do noticiário, fez contato com um colega de trabalho, para investigar
sobre o assunto. Algumas horas depois constatou a fatalidade. Mas, restava a
esperança de que pudesse haver sobreviventes.
A Chefa e
Claudinha, voltavam de Manaus para Brasília, do referido treinamento, no dia 29
de setembro de 2006, no fatídico vôo 1907 da GOL, que se chocou com o jato
Legacy. Os destroços do avião foram encontrados em uma área densa de floresta
amazônica, na Serra do Cachimbo, a duzentos quilômetros de Peixoto de Azevedo,
na região norte do estado do Mato Grosso. E no dia seguinte, 30 de setembro, o
Brasil e o mundo tomaram conhecimento do acidente aéreo, classificado como o
segundo maior do Brasil. Não houve
sobreviventes. Foi uma tragédia singular.
Anete sentiu
grande pavor, diria que, sem precedentes. Não conseguia raciocinar. E chorava
descontroladamente. Naquele dia, a impressa dava ao mundo os detalhes do
acidente. Na TV, o horror estampava-se, principalmente, nos rostos de
familiares e amigos.
Lembrando-se de
que até poucos dias, estava escalada para essa viagem, que culminara no
terrível acidente, Anete ficava perplexa. Se não fosse pelo assalto, que tantos
transtornos lhe trouxera, seria uma das vítimas, assim como foram a Chefa e
Claudinha. O assalto salvara sua vida, que ironia!
Não conseguia
entender. Buscava em vão uma resposta, mas, sabia que jamais iria tê-la. A vida
fora generosa, poupara-lhe do acidente, porém, questionava-se constantemente:
por que eu?
E enquanto
sentia a dor da perda da amiga, de longa data, do tempo da faculdade, e também,
recentemente, sua colega de trabalho, percebia que seu interior se movia tal
qual um redemoinho.
Claudinha morreu
no meu lugar – pensava. Por que? Era tão jovem, bonita, inteligente, e tinha
tantos planos... Pareceu-lhe que ela não queria ir naquela viagem, porém, não
fez objeção. Era participativa, e sabia trabalhar bem em equipe.
Deus do céu,
onde encontrar forças para enfrentar águas tão turbulentas? – pensava Anete. O
ambiente na Instituição, naqueles dias, era desolador. Não se falava mais em
outra coisa, tudo girava em torno do acidente. A Chefa, além da sua amizade
pessoal, do seu carisma, deixava também uma grande lacuna na Instituição, pois,
sempre prestara serviços de qualidade, e dir-se-ia, que seu passe valia ouro.
E Anete,
emocionalmente abalada, sentia volverem-se em si mesma as mais pungentes
sensações. Por que eu? Era a pergunta que não queria calar. E freqüentemente
recordava do sorriso doce, e do semblante terno de sua amiga Claudinha. E as
lágrimas se faziam presentes, companheiras, e fiéis.
Muito tempo se
passou para que as águas turvas finalmente se abrandassem. E durante esse
tempo, Anete buscou encontrar-se consigo mesma, buscou serenidade, buscou paz,
e foi se fortalecendo, e percebendo os vislumbres de luz, e ouvindo uma voz
quase inaudível, do que mais tarde ela entendeu, ser um chamado de Deus. E se
deixou seduzir.
E hoje, continua
peregrinando, pela estrada da vida, seguindo a voz do seu coração,
entregando-se com maior confiança a Deus, mesmo sem entender-lhe os desígnios,
e colhendo a cada dia, os frutos de renovadas atitudes, que têm lhe garantido a
consciência da fugacidade da vida, e a grandeza do momento presente.
Deus sabe de
todas as coisas, e não cai uma folha de uma árvore sem a sua permissão. Por que eu? Não sei, ainda reflete Anete,
mas, tem uma vaga impressão de que Deus tinha para si outros planos, quem sabe
servir-lhe mais de perto, como uma ovelhinha de Deus, como chamava Francisco de
Assis, a um irmão bem querido.
Baseado em fatos
reais.
Por Socorro Melo
– 19/01/2012.
3 comentários:
Um conto de fé. Muitas vezes não compreendemos os planos que não são tão lógicos e racionais. bjs
Boa noite, querida Socorro!
Deus tem planos misteriosos... nem quero esforçar-me em entender... me seria impossível!
Bjm muito fraterno
Oi Socorro, desejo-lhe uma semana abençoada com paz no coração.
Relatos como este sempre encontramos pós uma tragédia e ficamos sempre a perguntar como pode acontecer? A resposta está no seu fechamento do texto.
E nós na nossa pequenez muitas vezes não entendemos e ou aceitamos certas situações por não entender que tudo está nas mãos Dele. E sabemos que Ele nos tira quando não é nossa hora.Creio que temos tudo programado para nós.Lembro que no acidente de Congonhas um casal tinha perdido o voo e que um funcionário da TAM estava desesperado porque tinha de viajar naquele dia e aproveitou as vagas dos faltosos e foi sua viagem para o outro plano.
Somente o Pai sabe.
Meu terno abraço.
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