Pegadas de Jesus

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segunda-feira, 18 de julho de 2016

POR QUE EU?


O dia 18 de setembro de 2006 teria sido um dia comum para Anete, daqueles em que se sai da cama com a impressão de que se continua dormindo, e ao longo do dia realizam-se as mesmas atividades de rotina... Não fosse pela desventura de sofrer aquele assalto, à noite, nas proximidades de sua casa.

Um assalto igual a tantos outros, mas que marcaria para sempre a sua vida. Não pelos pertences que perdeu, ou pelo constrangimento de enfrentar burocracia para retirar novos documentos, ou pelo medo da violência, mas, pelo que viria a representar mais tarde.

Anete se sentiu ultrajada quando o ladrão lhe abordou, arrancando-lhe a bolsa, porém, nada de grave lhe aconteceu. Mas, em casa, pôs-se a pensar no caso, revoltada, e reviveu todo o drama, e naquela noite dormiu muito mal.

No dia seguinte, chegou ao trabalho abatida, e compartilhou com os colegas o que lhe acontecera na noite anterior. Sua chefa, vendo toda aquela revolta, disse-lhe: vão-se os anéis e ficam os dedos.

Estava com viagem marcada para a semana seguinte: iria, juntamente com sua Chefa, para Manaus, onde ministrariam um treinamento para algumas unidades daquela região. Era sua primeira viagem pela Instituição.

Começara naquele trabalho há pouco tempo, mas já se sentia acolhida. Harmonizara-se com os colegas, e nutria grande respeito e admiração pela Chefa.

Entanto, aquele assalto viria a mudar os seus planos de viagem: a chefa resolvera levar consigo a Claudinha, vez que Anete estava sem documentos, e envolvida numa verdadeira maratona de providências, em virtude do famigerado assalto.

Embora triste Anete achou bastante pertinente a resolução da Chefa. Em outubro haveria outro evento, numa outra região, e até lá, ela já teria organizado sua vida.

Todavia, o que aconteceu depois, causou um impacto de proporções tão gigantescas na vida de Anete, que passou a funcionar como um divisor de águas.

Na noite do dia 29 de setembro de 2006, o Jornal Nacional da TV Globo, em edição extraordinária, noticiava que o Boeing 737-800 da empresa Gol Transportes Aéreos, desaparecera dos radares aéreos, por volta das 17 horas, no trecho de Manaus para Brasília.

Naquele instante, Anete que estava debruçada sobre livros de Direito Civil, estudando, saiu em direção à sala da TV, atraída pela música de chamada do noticiário, para ouvir a notícia extraordinária. À medida que escutava, sentia suas pernas tremerem, em virtude da possibilidade das duas amigas estarem a bordo da aeronave em questão, já que as mesmas se deslocavam de Manaus para Brasília. Depois do noticiário, fez contato com um colega de trabalho, para investigar sobre o assunto. Algumas horas depois constatou a fatalidade. Mas, restava a esperança de que pudesse haver sobreviventes.

A Chefa e Claudinha, voltavam de Manaus para Brasília, do referido treinamento, no dia 29 de setembro de 2006, no fatídico vôo 1907 da GOL, que se chocou com o jato Legacy. Os destroços do avião foram encontrados em uma área densa de floresta amazônica, na Serra do Cachimbo, a duzentos quilômetros de Peixoto de Azevedo, na região norte do estado do Mato Grosso. E no dia seguinte, 30 de setembro, o Brasil e o mundo tomaram conhecimento do acidente aéreo, classificado como o segundo maior do Brasil.  Não houve sobreviventes. Foi uma tragédia singular.

Anete sentiu grande pavor, diria que, sem precedentes. Não conseguia raciocinar. E chorava descontroladamente. Naquele dia, a impressa dava ao mundo os detalhes do acidente. Na TV, o horror estampava-se, principalmente, nos rostos de familiares e amigos.

Lembrando-se de que até poucos dias, estava escalada para essa viagem, que culminara no terrível acidente, Anete ficava perplexa. Se não fosse pelo assalto, que tantos transtornos lhe trouxera, seria uma das vítimas, assim como foram a Chefa e Claudinha. O assalto salvara sua vida, que ironia!

Não conseguia entender. Buscava em vão uma resposta, mas, sabia que jamais iria tê-la. A vida fora generosa, poupara-lhe do acidente, porém, questionava-se constantemente: por que eu?

E enquanto sentia a dor da perda da amiga, de longa data, do tempo da faculdade, e também, recentemente, sua colega de trabalho, percebia que seu interior se movia tal qual um redemoinho.

Claudinha morreu no meu lugar – pensava. Por que? Era tão jovem, bonita, inteligente, e tinha tantos planos... Pareceu-lhe que ela não queria ir naquela viagem, porém, não fez objeção. Era participativa, e sabia trabalhar bem em equipe.

Deus do céu, onde encontrar forças para enfrentar águas tão turbulentas? – pensava Anete. O ambiente na Instituição, naqueles dias, era desolador. Não se falava mais em outra coisa, tudo girava em torno do acidente. A Chefa, além da sua amizade pessoal, do seu carisma, deixava também uma grande lacuna na Instituição, pois, sempre prestara serviços de qualidade, e dir-se-ia, que seu passe valia ouro.

E Anete, emocionalmente abalada, sentia volverem-se em si mesma as mais pungentes sensações. Por que eu? Era a pergunta que não queria calar. E freqüentemente recordava do sorriso doce, e do semblante terno de sua amiga Claudinha. E as lágrimas se faziam presentes, companheiras, e fiéis.

Muito tempo se passou para que as águas turvas finalmente se abrandassem. E durante esse tempo, Anete buscou encontrar-se consigo mesma, buscou serenidade, buscou paz, e foi se fortalecendo, e percebendo os vislumbres de luz, e ouvindo uma voz quase inaudível, do que mais tarde ela entendeu, ser um chamado de Deus. E se deixou seduzir.

E hoje, continua peregrinando, pela estrada da vida, seguindo a voz do seu coração, entregando-se com maior confiança a Deus, mesmo sem entender-lhe os desígnios, e colhendo a cada dia, os frutos de renovadas atitudes, que têm lhe garantido a consciência da fugacidade da vida, e a grandeza do momento presente.

Deus sabe de todas as coisas, e não cai uma folha de uma árvore sem a sua permissão.  Por que eu? Não sei, ainda reflete Anete, mas, tem uma vaga impressão de que Deus tinha para si outros planos, quem sabe servir-lhe mais de perto, como uma ovelhinha de Deus, como chamava Francisco de Assis, a um irmão bem querido.

Baseado em fatos reais. 

Por Socorro Melo – 19/01/2012.


3 comentários:

pensandoemfamilia disse...

Um conto de fé. Muitas vezes não compreendemos os planos que não são tão lógicos e racionais. bjs

Roselia Bezerra disse...

Boa noite, querida Socorro!
Deus tem planos misteriosos... nem quero esforçar-me em entender... me seria impossível!
Bjm muito fraterno

Toninho disse...

Oi Socorro, desejo-lhe uma semana abençoada com paz no coração.
Relatos como este sempre encontramos pós uma tragédia e ficamos sempre a perguntar como pode acontecer? A resposta está no seu fechamento do texto.
E nós na nossa pequenez muitas vezes não entendemos e ou aceitamos certas situações por não entender que tudo está nas mãos Dele. E sabemos que Ele nos tira quando não é nossa hora.Creio que temos tudo programado para nós.Lembro que no acidente de Congonhas um casal tinha perdido o voo e que um funcionário da TAM estava desesperado porque tinha de viajar naquele dia e aproveitou as vagas dos faltosos e foi sua viagem para o outro plano.

Somente o Pai sabe.
Meu terno abraço.