Eu já estava cansada de contar
carneirinhos. Iniciara a terceira centena e nada de sono, quando ouvi ao longe
uma música bem antiga que me remotou ao passado, à minha infância.
Era o ano de 1967. Eu e Beto
tínhamos cinco anos. Beto é meu primo. Morávamos numa pequena vila do agreste
pernambucano. Nesse tempo, algumas melhorias começavam a chegar à vila, tais
como a luz elétrica, a água do chafariz e o rádio. O rádio era o único meio de
comunicação por ali, e era um artigo para poucos.
Meu tio, o pai de Beto, comprou
um rádio. Todo mundo soube do acontecimento. Na vila, ávida de novidades, o que
se passava na casa dos outros era sempre o assunto do dia.
O rádio foi posto numa pequena
prateleira, fixada na parede. A prateleira fora forrada com um paninho branco,
triangular, com um delicado bordado na ponta, e do lado do rádio, um jarrinho
com flores naturais.
Naquela noite a vila em peso
compareceu à casa do meu tio para ouvir o rádio. Na sala de visitas foram
dispostas cadeiras e bancos dos quatro lados. Os adultos ficaram sentados,
ocupando todas as cadeiras, só não me recordo se havia crianças, além de mim e
de Beto.
Quando o rádio foi ligado, por
volta das vinte horas, quanta emoção! Foi sintonizado numa estação de rádio chamada Difusora, da cidade de
Pesqueira, nossa vizinha. Havia um programa chamado Postais Sonoros, onde os
ouvintes mandavam cartas à Radio, solicitando músicas e oferecendo aos amigos e
familiares por ocasião de aniversários, casamentos, formaturas, etc. Foi este o
primeiro programa que ouvimos no rádio, e que passou a ser o de outros fins de
semana, para toda aquela gente da vila.
O centro da sala ficou vazio,
obviamente, já que as cadeiras estavam dispostas nas laterais.
Eu e Beto, o que criança não
inventa, resolvemos dar um show. Ficamos dançando no meio da sala. A dança não
passava de um arrasta pé, de um lado para o outro, do começo até o fim
do dito programa. Juntinhos, às vezes de mãos dadas, lá estávamos nós, a
postos, esperando o locutor terminar sua fala e começar uma nova música. E
àquela música, que eu ouvia ao longe, era uma das que nós havíamos dançado.
Ah, e a platéia gostava, e
aplaudia. Era uma gente alegre, simples, de bom coração. Na vila, todos se
respeitavam, se ajudavam mutuamente, e precisavam de tão pouco para serem
felizes. Fez parte das minhas origens, e tanto aprendi dessa simplicidade.
Velhos tempos. Belos dias. Assim
como bem disse o poeta.
Por Socorro Melo
4 comentários:
Tempo lindo e tanto a relembrar! bjs praianos,chica
Abriu-se a gaveta da memória e originou um lindíssimo texto. Gostei imenso. Meu pai comprou o primeiro rádio, um transistor a pilhas (que nós vivianos num barracão junto ao rio, sem luz nem água) no Verão de 62, tinha eu quinze anos. Já havia TV desde 1957, e nós nem o rádio conhecíamos. E foi uma loucura. Havia um programa que era "Quando o telefone toca". As pessoas telefonavam para o programa pediam um disco e eles punham a tocar. E nós ficávamos muito calados para aprender as músicas e era ver qual de nós três era capaz de a cantar primeiro.
Um abraço e bom Domingo
Boa noite, querida Socorro!
Lembranças boas nos revigoram...
Bjm muito fraterno e um abençoado 2017!
Pois é Socorro lembrei agora da primeira vez que vimos uma tv na casa do vizinho de nome João Monteiro.
No inicio da decada de 60, assitiamos Rin tin tin e os Patrulheiros.
Bela lembrança voce me fez ter agora.
Muito bom recordar Socorrro.
Um abração.
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